“Na verdade a dúvida não é
sobre uma palavra, e sim sobre uma letra. E mais, a dúvida se tornou minha
também, mas originalmente foi uma pergunta do meu filho de 7 anos: ‘Pai, se o ç
é uma letra, por que não está no alfabeto?’ (!). Repasso o problema.” (Jairo
Gawendo)
A dúvida do filho de Jairo é boa.
Embora tenha uma resposta simples na superfície, acaba mexendo com questões
complicadas. O cê acompanhado da cedilha não é uma letra, mas a junção da letra c com o sinal
diacrítico (distintivo) cedilha. O ç não aparece
no alfabeto pela mesma razão que lá não está o ã. Os sinais
diacríticos do português são a cedilha, os acentos gráficos, o til e, até pouco
tempo atrás, o hoje extinto trema.
O papel dos sinais diacríticos é
alterar a pronúncia normalmente atribuída às letras, dando-lhes novo valor
fonético. Isso ocorre porque não é perfeita a correspondência entre os fonemas
(sons da língua oral) e as letras que usamos para codificá-los por escrito. As
vogais, por exemplo, são sete no mundo dos sons e apenas cinco no das letras (e e o correspondem
cada um a dois fonemas, um aberto e um fechado).
Curiosamente, o espanhol, língua que
inventou a cedilha no século 11, não a usa mais: a palavra vem provavelmente de zedilla, diminutivo
de zê. A cedilha era um z pequeno – e foi mesmo pelo zque o idioma de
Lionel Messi acabou por substituir o ç, cabendo ao
português e ao francês garantir sua sobrevivência. Até o século 15 ou 16, era
comum em nossa língua o uso de ç em início de
palavras: “sapato sujo” aparecia frequentemente como çapato çujo!
É interessante observar que a sutil
distinção fonética que motivou a adoção do ç no português
antigo, para diferenciá-lo do s e do ss, ficou na poeira
da história. “Qualquer que fosse a causa da primitiva distinção entre as
referidas letras”, escreve o gramático Said Ali, “certo é que s ou ss(entre vogais), ç ou c (antes de e ou i) representam, em
português moderno, um só fonema, a sibilante surda”.
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