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domingo, 6 de setembro de 2009

Por que (não) ensinar gramática na escola*


Praticada com um alto grau de consciência crítica e aplicada a uma pauta de problemas de grande amplitude, a investigação lingüística que se praticou no Brasil nas últimas décadas já pode contabilizar resultados, e o avanço dos conhecimentos foi enorme, quer no que se refere aos vários aspectos da língua portuguesa, quer no que concerne à linguagem, como fenômeno mental, cultural e político.
Como era de se esperar, esse acréscimo de conhecimentos permitiu criar novas perspectivas e novos pontos de observação para quem quer refletir sobre as situações ou as práticas em que intervém a linguagem, e uma dessas situações é o ensino de língua materna praticado em nossas escolas, a começar pela escola pública.
A partir dos anos 80, vários lingüistas têm chamado a atenção de seus leitores – um público idealmente constituído de estudiosos da língua, professores de português e alunos de faculdades de letras – para a precariedade desse ensino: destacando seu caráter anticientífico,1 opressivo,2 contrário ao desenvolvimento da criatividade3 e avesso à natureza essencialmente pragmática e contextual da linguagem,4 esses autores mostraram, em última análise, o quanto esse ensino é preconceituoso e reacionário. As advertências dos lingüistas não bastaram para reverter a situação vigente, e foram assimiladas, às vezes, de modo equivocado, resultando em novas distorções. É inegável que elas criaram um ingrediente novo tanto em lingüística como em pedagogia, estimulando uma linha de reflexão na qual o lingüista e o professor de língua lingüisticamente informado se debruçam sobre o ensino munidos de informações mais articuladas e confiáveis sobre os "conteúdos" a serem ensinados. Daí a possibilidade de confrontar a persistência das práticas tradicionais com as expectativas de inovação (ou de volta à razão) estimuladas pela ciência da linguagem.
O professor Possenti milita nesse contexto há mais de duas décadas5 e Por que (não) ensinar gramática na escola é fruto dessa militância. Ele próprio narra, nas páginas da apresentação (pp. 7-15), como, tendo partido de polêmicas mais ou menos circunstanciais sobre a importância de ensinar gramática normativa nos cursos de letras e na escola média, ou de discussões sobre as relações entre lingüística e ensino do português, e tendo debatido essas questões com diferentes públicos, chegou a formular uma espécie de decálogo do professor de língua materna – dez princípios que os alunos dos cursos de letras poderiam assimilar pela simples leitura de alguns textos de lingüística estrategicamente escolhidos, e que definem um ensino de português com chances de ser bem-sucedido.
A primeira parte do livro (pp.15-56) consiste na exposição comentada desse decálogo e compõe-se, como seria de prever, de dez capítulos. Ela começa por uma breve introdução, em que algumas expectativas possíveis, mas equivocadas, do leitor são decididamente descartadas: o livro não foi escrito para estimular a improvisação pedagógica, nem para promover uma mera substituição de conteúdos. Não se trata, pois, de substituir cegamente a gramática normativa e as práticas que ela tem motivado pelas verdades de uma nova disciplina em algum sentido mais atual: "Mais que o saber técnico, um conjunto de atitudes derivadas dos saberes acumulados talvez resulte em benefícios maiores... inclusive porque, a rigor, sem essas atitudes, sequer seria possível um conhecimento de tipo científico (...) É que este conhecimento também exige rupturas com os princípios que fundamentam o tipo de saber anteriormente aceito". O caminho para entender a origem de cada um dos "mandamentos" do decálogo fica então claro: a lingüística propôs uma imagem interessante da atividade verbal depois que rompeu com as representações estabelecidas dessa mesma atividade; a pedagogia, que se baseava naquelas representações, fracassou na prática, por lhe faltarem fundamentos mais sólidos; refletindo não tecnicamente sobre os conhecimentos acumulados pela lingüística e explorando o potencial pedagógico desses novos conhecimentos, estaremos promovendo uma mudança radical no ensino de língua materna, mas isso exige uma mudança de atitude, não a mera importação ou repetição daqueles conhecimentos.
Ao descartar a importação de conhecimentos técnicos, o professor Possenti toma partido por uma pedagogia em que, lembrando Montaigne, os preceptores se distinguem antes por ter uma cabeça bem feita do que por tê-la bem cheia: as informações técnicas, lingüísticas ou não, são importantes como fonte de reflexão (ao longo do livro repete-se com alguma insistência a recomendação de que alguns textos fundamentais sejam lidos por todo aluno de letras), mas a disposição para refletir sobre elas é ainda mais importante, e a disposição para aprender é pré-condição para ensinar.
De um cético, não esperaríamos um decálogo de preceitos. De fato, as dez fórmulas que o professor Possenti utiliza como títulos de capítulos na primeira parte do livro têm outro caráter: ora evocam uma reflexão, ora nomeiam uma das tantas opções com que se defronta o professor de língua materna, ora denunciam o caráter preconceituoso de uma tese corrente.
O primeiro e o último capítulos intitulam-se respectivamente "O papel da escola é ensinar língua padrão" (pp.17-21) e "Ensinar língua ou ensinar gramática?" (pp. 53-56) e são os que mais explicitamente respondem à pergunta que se faz no título do livro. No primeiro, mostra-se, com base em razões políticas, até que ponto seria absurdo dispensar a escola de ensinar a língua padrão. Era necessário dizer que o abandono da língua padrão pela escola seria sociolingüisticamente absurdo e politicamente reacionário porque, desde que os lingüistas começaram a criticar o ensino puramente gramatical, muita gente sinceramente interessada num ensino de boa qualidade (pais, professores e autoridades educacionais) entendeu que estava sendo preconizado o abandono da língua padrão na escola, e que havia começado uma espécie de "vale tudo". Muitos professores de escola média, por desinformação, acusam a lingüística de ter instaurado o caos no ensino de português, ao declarar equivalentes as variedades não-padrão e a variedade culta. Os lingüistas nunca preconizaram a substituição do português padrão por qualquer forma de português não-padrão como língua-alvo da escola: defenderam, o que é muito diferente, 1) que as variedades não-padrão são línguas de pleno direito, no plano estrutural e até mesmo estético (afinal, há literaturas populares que se exprimem em português não-padrão); 2) que as variedades não-padrão podem ser utilizadas como um fator positivo no ensino, e até por esse motivo devem ser tratadas com respeito e 3) que a representação do português padrão que se pode retirar das gramáticas normativas é extremamente pobre. A língua portuguesa não é o que está nas gramáticas normativas, e isso permite ao professor Possenti defender, sem contradição, que a escola deve ensiná-la sem ensinar gramática, ou sem ensinar principalmente gramática.
Os capítulos que separam a defesa da língua padrão como objetivo prioritário da escola e a afirmação taxativa de que o domínio da língua e o domínio da gramática são coisas distintas elaboram, com base em argumentos diferentes, a tese de que o domínio efetivo e ativo de uma língua excede de maneira irreparável o domínio de qualquer das terminologias hoje disponíveis para sua descrição (a gramática normativa é, entre outras coisas, uma grande grade terminológica). Ao defender esse ponto de vista, o professor Possenti tinha pela frente o desafio de tratar de algo extremamente complexo – a competência que intervém na comunicação verbal –, tendo em vista ao mesmo tempo uma situação específica em que essa competência é objeto de um trabalho de aperfeiçoamento – a situação escolar. Ele consegue uma exposição ao mesmo tempo altamente integrada e não redutora, construindo, na prática, toda a primeira parte do livro como uma refutação de preconceitos. Quatro dos oito capítulos têm significativamente por título uma sentença negativa ("Não existem línguas fáceis ou difíceis", "Não existem línguas uniformes", "Não existem línguas imutáveis", "Língua não se ensina, aprende-se"); e a disposição de polemizar contra crenças errôneas e potencialmente prejudiciais ao ensino da língua está igualmente presente nos outros quatro ("Damos aulas de que a quem?", "Todos os que falam sabem falar", "Falamos mais corretamente do que pensamos", "Sabemos o que os alunos ainda não sabem?").
Tomando alguma distância em relação à linha argumentativa, sempre clara, de cada um desses capítulos, podemos verificar que eles se referem aos três ingredientes essenciais da situação pedagógica vivida pelo professor de português: a língua, o educando e o professor, considerados no mais das vezes em suas relações recíprocas.
A lingüística recente lançou uma série de representações do fenômeno lingüístico que são relevantes para aclará-lo no tocante a alguns de seus aspectos fundamentais. Quais dessas representações interessam num contexto didático? Para o professor Possenti, o professor de língua materna não pode, de maneira alguma, dispensar a concepção de língua que foi posta em circulação pela sociolingüística variacionista. A língua é naturalmente variável segundo as dimensões do tempo, do espaço geográfico e das divisões sociais. Para quem aceita essa variabilidade como um fato normal e sadio da vida da língua, é imediato reconhecer que a gramática dos manuais mutila a realidade, propondo como modelo a ser seguido uma língua artificial que, de resto, pouco tem a ver com os hábitos lingüísticos das pessoas cultas. Quem recusa essa concepção – uma atitude infelizmente comum entre os professores de língua materna – tende a encarar as formas não-padrão como erros ou como um handicap irrecuperável dos educandos, que são assim desqualificados como incapazes. Que não há erro nem déficit mental nesses casos, o professor Possenti demonstra analisando os supostos "erros" e mostrando que eles são extremamente regulares: têm um formato definido, ocorrem regularmente dadas certas condições estruturais (por exemplo, os mesmos falantes do português que dizem os boi, não dirão nunca o bois por mais incultos que sejam). As variedades não-standard têm sua própria história, sua própria estrutura e, numa palavra, sua própria gramática: diferentemente do português padrão, que marca o plural de maneira redundante, as variedades não-standard do português brasileiro marcam o plural num único morfema, o do artigo; mas essa marcação do plural é aplicada com rigor, a mostrar que estamos diante de uma outra morfossintaxe, não diante de uma deturpação da morfossintaxe padrão.
Tal como o pensa o professor Possenti, o educando é dotado de um potencial enorme, que a escola ignora, nos dois sentidos da palavra. Ele chega à escola depois de assenhorear-se em poucos meses do sistema de regras próprio de sua língua materna, uma façanha que deixa perplexo qualquer lingüista, porque, mesmo quando a língua materna é uma variante socialmente desprestigiada, sua complexidade estrutural é assombrosa. Além disso, o educando sabe expressar-se de maneira extremamente eficaz, ainda quando não o faz na forma culta e por escrito. Por fim, como qualquer criança ou adulto normal (mas à diferença dos gramáticos), ele circula naturalmente entre diferentes códigos e diferentes variedades da língua. Parece impossível que alunos com essas credenciais não consigam alcançar um bom domínio da variedade culta, após vários anos de escolarização. Se isso acontece, observa o professor Possenti, é por que suas potencialidades não são adequadamente exploradas; vê-se que a escola, à diferença da vida, deixa de proporcionar experiências verdadeiramente úteis para que o aluno desenvolva as competências de que já dispunha; e um dos motivos desse fracasso pode ser precisamente a insistência em exigir que ele fale da linguagem culta, ao invés de praticá-la.
A imagem do professor de língua materna que emerge da primeira parte do livro é, à primeira vista, bastante negativa. As repetidas afirmações de que língua materna se aprende, mas não se ensina, parecem, com efeito, minimizar o papel do professor, como o de alguém que pode fazer pouco, mas pode atrapalhar muito. É mais exato dizer que o professor Possenti investe o professor de uma grande responsabilidade, à qual faz corresponder algumas cobranças bem precisas. Se é ao aluno que cabe protagonizar o aprendizado da língua materna, é ao professor que cabe a responsabilidade de criar uma escola em que esse aprendizado possa ocorrer de maneira espontânea. É no professor que deve começar a mudança de atitude que permitirá um ensino de língua mais eficaz e democrático, e a primeira condição é que ele se liberte de vez dos preconceitos lingüísticos que existem difusos no corpo social, e que tendem a interferir em seu trabalho (um desses preconceitos é o de que "o português é difícil", que ele não é para todos; outro é o de que o uso de uma variedade não-padrão corresponde automaticamente a uma limitação mental). Outra condição é que o professor use os espaços políticos a que tem acesso para promover atividades lingüísticas de real interesse (esse espaço pode, ocasionalmente, restringir-se à sala de aulas, mas o professor Possenti lembra que a indefectível cobrança de conhecimentos inúteis de nomenclatura e ortografia que assola as provas de concurso como uma verdadeira praga nacional parte, afinal, dos elaboradores dessas provas, que são, normalmente, professores de português bem intencionados). Por fim, para proporcionar a seus alunos práticas pedagógicas efetivamente enriquecedoras, o professor deve perguntar o que os alunos já sabem, planejando seu ensino em função desse conhecimento, mas não é isso que acontece normalmente: o ensino de língua materna, tal como vem sendo praticado, mostra, ao contrário, que se gasta um tempo enorme etiquetando fora de contexto coisas que o aluno já domina (pense no tempo gasto com assuntos não problemáticos como o gênero e o números dos substantivos), em prejuízo de atividades mais provocativas como ler, expor e descobrir a variabilidade da língua a partir das amostras disponíveis em classe...
Concluída a leitura da primeira parte do livro, são tantos os parâmetros de reavaliação do ensino oferecidos ao leitor que o dilema de ensinar ou não a gramática soa como uma pergunta mal formulada: a questão não é mais decidir pela gramática normativa ou contra ela, é criar condições para que a espontaneidade com que os alunos fazem da linguagem uma parte de suas vidas, sua assombrosa capacidade de intuir as estruturas e de atualizá-la num desempenho gramaticalmente correto na variedade que praticam, o natural desembaraço com que circulam entre diferentes níveis e registros sem confundi-los, não sejam sacrificados a qualquer rotina de ensinar que tenha como único argumento a inércia do sistema escolar.
A essas críticas alguém poderia responder, com razão, que a palavra "gramática" assumiu na lingüística recente sentidos bastante diversificados, e que para alguns sentidos da palavra "gramática" aquelas críticas não são relevantes. Tirando proveito dessa possível objeção, a segunda parte do livro expõe sistematicamente três conceitos de gramática correntes nos textos recentes sobre linguagem. À concepção normativa ou prescritiva habitualmente adotada pelos manuais didáticos, o professor Possenti opõe em primeiro lugar uma concepção descritiva: ao passo que a concepção normativa de gramática se caracteriza por ter como alvo uma língua ideal, ou seja, por consistir em um conjunto de princípios e normas que estabelecem como a língua deve(ria) ser, a concepção descritiva de gramática, praticada pela lingüística sincrônica desde o estruturalismo, consiste em representar a língua tal como ela é, elencando as formas ou estruturas que os falantes de uma determinada língua têm à sua disposição, sem atribuir valores positivos ou negativos à escolha entre essas formas. A essas duas concepções opõe-se uma terceira, lançada pela lingüística gerativa, segundo a qual todo falante de uma língua, durante a fase de aquisição, assimila (ou "internaliza", para usar o neologismo que se tornou habitual nesse contexto) uma série de princípios e regras altamente elaborados, que lhe permitem produzir enunciados que serão reconhecidos como bem formados pelos demais membros de sua comunidade; "gramática" é, então, a palavra mediante a qual se designa esse conjunto de princípios, encarado como uma forma de competência, ou seja, um conhecimento que tem sede na mente do falante.
Uma vez estabelecida a distinção entre gramática normativa, gramática descritiva e gramática como competência lingüística, o próximo passo do professor Possenti consiste em mostrar que diferentes conceitos de regra, erro e língua são compatíveis com uma dessas concepções de gramática. Retomemos, a título de exemplo, o tratamento que ele dedica à noção de erro (língua e regra têm um tratamento paralelo): a gramática normativa marca como erro toda construção estranha à variedade padrão; essa concepção de erro não interessa à gramática descritiva, que aponta por sua vez como erradas as formas e as construções que não fazem parte de maneira sistemática de nenhuma variedade de uma língua; para a gramática da competência, a noção de erro deve ser definida por referência ao processo pelo qual a criança e o lingüista constroem sua competência gramatical, formulando e refutando hipóteses sobre a estrutura dos enunciados observados: algumas das hipóteses que surgem nesse processo, embora sejam compatíveis com os dados observados, revelam-se, afinal, inadequadas, pois sua aplicação generalizada levaria a formas ou construções mal formadas. Um caso apropriadamente lembrado pelo professor Possenti para ilustrar essa noção de erro é o uso da forma fazi, como pretérito perfeito de fazer: de um lado, ela mostra que a criança produz as formas do verbo lançando mão de regras de formação e não buscando-as prontas na memória; de outro lado, o resultado incorreto mostra que a criança formulou uma hipótese demasiado simples (aplicando, quem sabe, a terminação do perfeito diretamente ao radical do presente); para chegar ao resultado correto, exigia-se, ao contrário, uma hipótese mais complexa (envolvendo, quem sabe, a distinção entre um radical do presente e um radical do passado).
Não é difícil perceber por que essa exposição é relevante para o professor de língua materna. Por um lado, ela deveria convencê-lo de que há outros conceitos de gramática, além daqueles que a escola reforça tradicionalmente, e que alguns desses conceitos produzem representações possivelmente mais adequadas do fenômeno lingüístico; por outro lado – recuperando o dilema expresso no título do livro –, a existência de vários conceitos de gramática permite que o projeto de ensinar a língua materna através de sua gramática se salve, a depender da concepção de gramática que se adota.
O professor Possenti recomenda que, dentre as possíveis concepções de gramática, se escolha para aplicação no ensino a mais rica de todas, a da gramática internalizada. Com isso, a atitude que passa a presidir o aprendizado da língua materna não é a do gramático (para quem conta expurgar a fala dos erros, e aplicar uma nomenclatura), e nem mesmo a do lingüista descritivo, que acumula dados para tentar propor, em seguida, uma representação compacta dos mesmos; é a da criança, que vai construindo sua competência pela exposição e pelos dados lingüísticos variados. Cabe à escola, e mais especificamente ao professor de língua materna, a responsabilidade de proporcionar ao aluno os dados novos que serão internalizados. Algumas amostras do trabalho que pode ser feito nesse sentido estão em "pequenas aulas de português (ou de gramática no sentido proposto)" que fecham o livro: trata-se de exemplos breves que, mais uma vez, não são receitas, mas são amplamente suficientes para mostrar que esse trabalho é possível e, no fundo, bastante simples.

É espontâneo ligar esse epílogo moderadamente otimista da segunda parte do livro ao epílogo moderadamente pessimista da primeira parte, em que o ensino de gramática era avaliado negativamente e, na prática, rejeitado. A moral é a mesma: ensinar ou não ensinar gramática na escola pode ser oportuno ou inútil, dependendo do que se entenda por gramática; a frase do título pode ser lida com o não ou sem ele, valendo os parênteses por uma indicação de opcionalidade, segundo uma convenção familiar aos sintaticistas. Responder sim ou não ao ensino da gramática dependerá, em todo caso, do que se entenda por esse termo, e aqui há escolhas a fazer, que não são indiferentes.
Espera-se justamente de uma resenha que dê destaque às idéias novas presentes na obra resenhada, além de apontar nela eventuais falhas ou passagens polêmicas. Para fazê-lo, seria preciso colocar-se na perspectiva de seus leitores ideais, o que não é simples, porque esses leitores ideais constituem uma gama muito ampla. Em outro contexto cultural que não o nosso, este seria um texto ideal para ser lido e para ser amplamente discutido por um público de não-especialistas; mas o contexto cultural é outro.
Qualquer educador poderá extrair de Por que (não) ensinar gramática na escola um exemplo de como o desenvolvimento técnico de uma disciplina chega a motivar mudanças radicais no ensino, por um caminho não-técnico. Qualquer aluno de curso de letras ou professor de língua materna tem neste livro uma referência segura para definir ou redefinir sua prática pedagógica. É pensando neste último tipo de leitor que faço à obra a única cobrança de alguma gravidade, motivada pelo fato de que o livro não fornece, no texto ou fora dele, qualquer indicação de leituras suplementares. Compartilho com o professor Possenti a crença de que um punhado de textos bem escolhidos, lidos no momento certo do processo de formação do professor de língua materna, pode fazer a diferença entre a falta de visão e a lucidez. Mas não é, talvez, claro, para todos os leitores, quais seriam os textos a selecionar e por quê. É uma falha importante, mas fácil de corrigir, num livro que, por suas enormes qualidades (clareza de exposição, uso sempre adequado da informação lingüística, capacidade de apontar problemas sem paternalismos e sem derrotismos), se destina a ter muitas edições.

Notas

1. Ver, por exemplo, Mário Perini, Para uma nova gramática do português. São Paulo, Ática, 1985.

2. Ver, por exemplo, Pedro Celso Luft, Língua e liberdade:Para uma nova concepção da língua materna e seu ensino. Porto Alegre, LP&M, 1985.

3. Ver, por exemplo, Carlos Franchi, Criatividade e gramática. São Paulo, Secretaria da Educação – Cenp., 1988.

4. Ver, por exemplo, João Wanderley Geraldi, O texto na sala de aula. Cascavel, Assoeste, 1984. (Reedição de 1996, São Paulo, Ática.)

5. Ao mesmo tempo em que vem refletindo e publicando sobre outros temas, sobretudo 1) o humor e 2) as questões do estilo e da análise do discurso (sobre estas últimas, ver Discurso, estilo e subjetividade. São Paulo, Martins Fontes, 1988).

* Resenha sobre o livro de POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, ALB. Mercado de Letras, 1996, 96 p., Coleção Leituras do Brasil.

Rodolfo Ilari**

** Professor do Departamento de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

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