A polêmica sobre a utilização do vocábulo poeta para designar a mulher que escreve poemas, vem crescendo na mesma medida em que essa tendência torna-se cada vez mais visível nos meios de comunicação. Entre as próprias escritoras que demonstram preferir o termo poeta em lugar de poetisa e as publicações especializadas, colocam-se os gramáticos e puristas da língua alimentando o bate-boca, não admitindo aquilo que, para eles, significa uma verdadeira agressão ao vernáculo.
Quando comecei a garatujar poemas, sem mesmo desconfiar da possibilidade desse tipo de discussão, já rejeitava intimamente a palavra poetisa. O termo soava-me como algo etéreo, passível de não ser levado a sério dentro do ofício da poesia. Parecia-me que a palavra poetisa melhor se aplicaria à mulher do poeta ou talvez àquela que declama poesia, e não àquela que faz poesia para valer.
Mais tarde, em contato com as mulheres que faziam poesia, foi possível verificar que elas próprias também se auto-proclamavam poetas. Convenci-me de vez da validade da proposta, através da leitura de Cecília Meireles que, no poema Motivo, dizia: "Eu canto porque o instante existe/e a minha vida está completa/Não sou alegre nem sou triste:/sou poeta".
Em um artigo publicado no jornal O Pão, de Fortaleza, o escritor Sânzio de Azevedo, discutia o assunto e, curiosamente, também apontava o poema Motivo, contra-argumentando, no entanto, que a própria Cecília, apesar de ter admitido ser poeta e não poetisa, teria dito, de outra feita, em entrevista ao escritor Edigar de Alencar que: "-eu sou um poeta elegíaco!". Ciosa, naturalmente, de não ferir a gramática, usou um no lugar de uma poeta.
A questão é antiga e não se restringe ao Brasil. Na década de 50, o crítico português, João Gaspar Simões, em prefácio à Antologia das Mulheres Poetas Portuguesas, aponta: "Não há poetisas e poetas, todos os que escrevem versos no plano do "exercício espiritual" são dignos de um mesmo tratamento. Aboliu-se a distinção de sexos em literatura".
O problema maior, no entanto, não reside propriamente na utilização ou não do vocábulo masculino. A ausência de estudos sérios e aprofundados sobre a poesia feita por mulheres no Brasil, ou, ao menos, uma antologia abrangente reunindo esses trabalhos, pode ser uma pista do porquê da palavra poetisa ser rejeitada.
Nos compêndios da história da literatura brasileira a produção literária feminina tem sido encarada como um produto menor. Com exceção de Cecília Meireles, pouquíssima linhas são utilizadas para os verbetes de Gilka Machado, Auta de Souza, Francisca Júlia, Lupe Cotrim Garaude, Henriqueta Lisboa, Stella Leonardos, sem falar de Colombina e Cora Coralina, as mais marginais de todas elas, que nem chegam a ser citadas. Também as contemporâneas Hilda Hilst, Orides Fontela, Ana Cristina César, Yêda Schmaltz, Maria José Giglio, Renata Pallotini, Marly de Oliveira, Adélia Prado, Lara de Lemos, Olga Savary, Neide Archanjo, Eunice Arruda, Ilka Brunilde Laurito, Idelma Ribeiro de Faria e tantas e tantas outras, ainda não contam com a divulgação e os estudos críticos que suas obras merecem.
Polêmicas à parte, a mulher poetisa ou poeta, assim como os homens poetas, precisa mesmo é de leitores, de editores e críticos que valorizem suas respectivas obras. O resto é simples acessório.
Sobre a Autora:
Dalila Teles Veras, natural do Funchal (Madeira-Portugal), 1946. Radicada no Brasil desde 1957 (São Paulo, Capital) e desde 1972 residente em Santo André (SP).
Publicou, entre outros, os livros Lições de tempo (1982), Inventário precoce (1983), Madeira: do vinho à saudade (1989 - Portugal), Elemento em fúria (Teresina - 1989), A Palavraparte (1996), todos de poesia, A vida crônica (1999), crônicas, As Artes do Ofício (2000), crônicas e Minudências (2000), diários.
Participou de quase duas dezenas de coletâneas no Brasil e no exterior. Possui poemas traduzidos e publicados na Espanha, França, Itália, EUA, Cuba e Portugal. Colabora com a imprensa cultural de todo o Brasil. É diretora-proprietária da Alpharrabio Livraria Espaço-Cultura, em Santo André, SP, centro cultural que, desde 1992, promove oficinas, recitais e semanas culturais, e já editou cerca de 40 livros sob sua chancela. De 1992 a 1994 editou, em conjunto, a revista literária Livrespaço, ganhadora do prêmio APCA 1993. Foi Diretora e Secretária Geral da União Brasileira de Escritores (SP) por três gestões (1986/88, 1990/92 e 1994/1996). Assinou por cinco anos consecutivos a coluna semanal "Viaverbo", no Caderno Cultura & Lazer do Diário do Grande ABC.
É editora da revista de debates Em Movimento.
E-mail: dalila@osite.com.br
Homepage: www.terravista.pt/ancora/2367
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